Dezembro 2018 #120
A educação é um direito universal e desempenha um papel crucial no desenvolvimento humano, ajudando o indivíduo a construir a sua personalidade e o seu carácter.
Mesmo em situação de reclusão, e tendo em consideração as Recomendações do Conselho da Europa referentes à Educação nas Prisões e as Regras das prisões europeias, os cidadãos possuem os mesmos direitos no acesso à educação.
Como sabemos, a reclusão implica a perda de alguns direitos, mas estes não se devem estender à educação, na medida do possível, sobretudo, porque a educação e a formação, neste contexto, tende a assumir-se como um dispositivo promotor de reinserção social e de combate à reincidência. Devendo possuir um grau de exigência quantitativo e qualitativo tão elevado como o processo educativo fora da prisão, a formação deve, igualmente, ser idêntica àquela que é proporcionada fora dos estabelecimentos prisionais.
Com efeito, os indivíduos em situação de reclusão mantêm o direito a uma educação de qualidade e diversificada sendo que esta deve ser adequada às exigências da “Sociedade do Conhecimento”. A adoção de modelos de formação, no quadro da concretização do Processo de Bolonha em Portugal, que consagrou a transição de um sistema de ensino baseado na ideia da transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências (Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março), assim como a relação entre a formação que é dada no interior dos estabelecimentos prisionais e no sistema educacional, assumem-se como fundamentais para alcançar esta educação de qualidade. E neste contexto a Educação a Distância (EaD) pode permitir alcançar estes objetivos, já que possibilita o acesso – online ou offline – recursos e atividades de aprendizagem.
Considerando, pois, as restrições que estes indivíduos possuem a nível de acesso à frequência das atividades letivas nas instituições de Ensino Superior, na Europa têm sido desenvolvidos alguns projetos de Educação a Distância e eLearning em estabelecimentos prisionais, destacando-se o projeto ELIS, na Alemanha e na Áustria, o IFI – “Internet for inmates”, na Noruega, e o Virtual Campus, do Reino Unido, que se traduz numa plataforma com o objetivo de gerir as diferentes necessidades dos reclusos, que têm acesso seguro a conteúdos específicos, constantes de uma “whitelist”.
Em Espanha e em resultado a parceria estabelecida entre o Departamento da Justiça e algumas instituições do Ensino Superior, como a Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED) ou a Universitat Oberta de Catalunya (UOC) os reclusos têm tido a oportunidade e frequentar cursos de Ensino Superior neste regime de ensino.
Também em Portugal, e no âmbito do protocolo assinado em abril de2016 entre a Universidade Aberta (UAb) e a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) onde se destacava a necessidade e o compromisso de criar e desenvolver um Campus Virtual, concebido para a população reclusa, com acesso seguro, para o desenvolvimento de atividades no domínio do ensino e formação em Educação a Distância e eLearning (Cláusula 2.ª – Cooperação),está a ser desenvolvido um projeto-piloto inovador, o Campus Digital EDUCONLINE@PRIS), que tem como principal objetivo promover a educação e a formação nos estabelecimentos prisionais em Portugal.
A funcionar já desde o início de novembro de 2018 nos estabelecimentos prisionais de Custóias-Porto, Paços de Ferreira e Santa Cruz do Bispo-Porto (Feminino),o portal agregador do Campus foi criado, tendo por base duas plataformas Moodle ,uma que dá acesso aos Cursos de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento da Universidade Aberta, e outra com Cursos de Extensão Universitária, desenvolvida, especificamente, para a população reclusa, centrando-se ambas nos serviços mais importantes de gestão de conteúdos pedagógicos e das aprendizagens.
A plataforma de eLearning com Cursos de Extensão Universitária integra ainda um conjunto de serviços, permitindo a centralização da gestão do processo pedagógico, gestão de utilizadores e respetivos perfis, gestão das inscrições, publicação de horários e de eventos ou alertas específicos.
Para além destes dois sistemas de aprendizagem, o Campus,possui ainda uma terceira plataforma agregada denominada de Escola Virtual: Conteúdos e Recursos, da Porto Editora, que permite ao estudante recluso aceder a recursos e conteúdos de diferentes áreas disciplinares, como vídeo-aulas e provas de avaliação para ir aferindo os seus conhecimentos.
A nível da solução tecnológica de suporte ao sistema de eLearning, e com o apoio da jp.ik e da Fundação PT, que forneceram computadores portáteis e a rede de banda larga, respetivamente, foi implementada uma ligação segura à internet que garante o total controlo e monitorização dos acessos, sendo que os estudantes possuem um perfil específico que não lhes permite comunicar online com a comunidade académica (professores e estudantes) e apenas têm acesso ao endereço do Campus e das três plataformas.
Esperamos que este projeto consiga dar resposta a alguns dos desafios que a sociedade digital e as novas tecnologias colocam à EaD e eLearning especialmente em contextos de enorme vulnerabilidade social, como é o caso da população prisional, contribuindo, ao mesmo tempo, para que seja garantido o direito de acesso à educação que deve ter qualquer cidadão, no cumprimento do respeito pelos direitos humanos dos indivíduos, privados ou não de liberdade.
A construção deste Campus é um desafio complexo e transversal e exige um capital de compromisso colaborativo, que é assegurado por toda a comunidade da UAb e pelo grupo de trabalho criado para agilizar a comunicação entre os serviços da UAb e os estabelecimentos prisionais. Acreditamos, por conseguinte, que este projeto contribuirá também para dar expressão à missão da UAb como uma universidade em qualquer lugar do mundo, que ultrapassa as fronteiras políticas e geográficas ou os muros de uma prisão, criando condições para que todos tenham oportunidade de investir na sua educação.
José António Moreira
Diretor da Delegação do Porto e Coordenador Executivo da Unidade de Desenvolvimento dos Centros Locais de Aprendizagem da Universidade Aberta