Os novos públicos e os 20 anos que decorreram sobre o Processo de Bolonha: a experiência da Universidade Aberta

Um dos principais objetivos de Bolonha foi sintonizar os estudos superiores com o mundo real e, ao mesmo tempo, que as formações obtidas fossem perfeitamente reconhecíveis quanto às suas funções e perspetivas futuras. Depreendemos de todo este processo que o objetivo não foi adaptar as nossas formações/graduações às necessidades de entidades públicas ou empresas em concreto, mas permitir uma integração racional dos (nossos) estudantes na sociedade, com perspetivas reais de iniciar (ou continuar) uma vida profissional independentemente da formação realizada, e com possibilidades tangíveis de aperfeiçoar essa formação inicial ou adquirir no futuro novas competências e capacidades não só profissionais mas também pessoais e sociais.

Em definitivo, neste momento passados 20 anos sobre a criação do Processo de Bolonha”, é importante ter presente os perigos que ainda podem contribuir para enviesar esta reforma, mas também não podemos converter o processo num exercício de que está tudo bem. Talvez devêssemos refletir mais sobre o que é a universidade agora, sobre a nossa atitude como estudantes e professores, sobre as expetativas de uns e outros, ou ainda sobre o nosso papel como formadores ou pessoas inseridas num processo de formação superior. Passada a fase de adaptação, não é já tempo de começarmos a preocupar-nos com a sintonia das nossas ofertas relativamente ao nosso meio socioeconómico?

Ultimamente, as diretivas políticas nesta matéria consignaram uma série de iniciativas direcionadas para a abertura do ensino superior a estudantes adultos que procuram a qualificação ou a requalificação para reorientação da carreira profissional, bem como a adultos provenientes de grupos economicamente desfavorecidos, incluindo estudantes do sexo feminino, minorias étnicas, pessoas com necessidades especiais e outros adultos, de qualquer idade. Deste modo, têm sido adotadas medidas visando uma maior abertura dos estabelecimentos de ensino superior aos chamados “novos públicos”, ou seja, a todos aqueles que não provêm diretamente do ensino secundário.

É no contexto das preocupações da mobilização rumo à sociedade do conhecimento que devem ser entendidas diversas orientações, a nível europeu e a nível nacional, bem como por parte de organizações internacionais (e.g.: Conselho da Europa, OCDE, etc.), visando desenvolver e aprofundar a ALV. Inclui-se nesse desenvolvimento o alargamento das oportunidades de acesso ao ensino superior para grupos tradicionalmente sub-representados neste nível de ensino; reconhece-se ainda que essa participação só será real, quando um programa de estudos se estender, com sucesso, desde o acesso até à conclusão.

Lembrando o significado do Memorandum da Comissão Europeia sobre Aprendizagem ao Longo da Vida de 2000, já lá vão 20 anos, e apesar do aumento de estudantes no ensino superior verificado em Portugal nas últimas três décadas, estamos ainda longe de atingir o número de diplomados capazes de contribuir, de forma decisiva, para alcançar uma qualificação científica e tecnológica que permita um desenvolvimento criativo, inovador e competitivo, com elevados padrões de produtividade, de qualidade e de originalidade.

Pensando agora no potencial do ensino a distância, entende-se que uma componente do desafio de qualificação dos portugueses para a sociedade do conhecimento é a abertura a adultos de cursos de nível superior, possibilitando-lhes o acesso a graus académicos e a qualificações profissionais, não necessariamente com base na sua qualificação escolar, mas antes numa avaliação de competências, de acordo com requisitos rigorosos e credíveis.

Uma abertura desta natureza determina obrigatoriamente que uma instituição universitária de ensino a distância se envolva neste processo, com base numa organização eficaz e atrativa, para a coordenação das orientações estratégicas que levem a implementar planos curriculares para os “novos públicos” e fixando modelos de formação/educação pós-laborais.

Torna-se, por isso, necessário dinamizar e agilizar todo o processo de abertura do ensino superior a adultos. A aposta no ensino a distância faz aqui todo o sentido, obedecendo a requisitos que tornem credível a admissão dos candidatos, a qualidade da sua formação e os diplomas conferidos. Trata-se, assim, de concretizar orientações políticas que privilegiam a inserção de novos públicos no ensino superior, no quadro das alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo, induzidas pelo Processo de Bolonha.

Uma valência importante para a referida inserção encontra-se nos apoios a nível local. Isto implica a definição de uma arquitetura pedagógica, logística e funcional que, a esse nível local (designadamente, autárquico), favoreça novos ambientes de aprendizagem. Desenvolvem-se, deste modo, mecanismos, ferramentas e redes acessíveis que permitam levar a “presencialidade” mediada pelas TIC e pela Internet a setores sociais diferenciados e aos mais variados recantos em Portugal. Concretiza-se, assim, um ensino a distância ao mesmo tempo global e local.

Como várias vezes temos afirmado a UAb tem um potencial académico que lhe deve permitir dar resposta a diferentes desafios de atualização de conhecimentos e de capacidades vinculadas a diferentes âmbitos do saber. Apresentar/disponibilizar uma formação atraente, rigorosa e adaptada às necessidades da nossa sociedade, significa satisfazer a procura, as necessidades e as expetativas que foram criadas a quem nos procura. Sabendo-se que a UAb não tem o exclusivo do EaD em Portugal, afirma-se aqui claramente que a missão que nos cabe pode (e em certos casos deve) ser concretizada em parceria com outras instituições de Ensino Superior, um caminho que a UAb está disposta a trilhar, com salvaguarda da sua identidade e autonomia institucionais.

Temos um modelo territorial resolvido. Um dos grandes sucessos da UAb tem sido o modelo territorial que tem vindo a construir. A existência da nossa rede de centros, com os parceiros locais/regionais, forneceu uma ampla presença geográfica e criou raízes profundas que nos dão fundadas perspetivas para crescer. Paradoxalmente, a área territorial em função da distância que aparece na nossa denominação, surgiu como um dos nossos maiores ativos. O modelo atual é o resultado de sucessivas transformações, a fim de nos adaptarmos às novas circunstâncias.

Ao longo destes anos, e já lá vão duas décadas depois de Bolonha (13 efetivos de reforma), um dos desafios que se tem colocado à Universidade Aberta é exatamente o de abraçar a formalização da sua estratégia diferenciada de criar conhecimento, ensinar, formar e de responsabilidade social. Quem assim o desdenhar só terá a valer-se de pseudoargumentos de autoridade para nos debilitar.

Parafraseando um ex-reitor: ninguém fará por nós o trabalho que só nós podemos fazer e tenhamos a certeza de que não há valor mais seguro do que a confiança que em nós deposita a sociedade.

Sabemos da nossa obrigação de estar à altura desta confiança, projetando uma Universidade que sirva o país e o seu desenvolvimento. É também este o desafio que temos pela frente nos próximos tempos com o desenvolvimento destas parcerias de cooperação com o poder local e a sociedade em geral.

 

Domingos Caeiro
Vice-reitor para a Gestão Académica e Interação com a Sociedade
Universidade Aberta