O Financiamento da Ação Social na Universidade Aberta

O sistema de financiamento constitui um dos pilares estruturantes de qualquer sistema de ensino superior, não podendo ser desligado daquilo que é o contexto mais geral do sistema e dos objetivos de política para o ensino superior. Deste modo, a evolução dos mecanismos de financiamento é fortemente marcada pelas tendências estruturais ao nível desse sistema. As instituições de ensino superior (IES) enfrentam hoje exigências para a melhoria da sua qualidade, as quais não provêm apenas das autoridades reguladoras, mas também dum ambiente concorrencial mais intenso, devido à estagnação da procura. A pressão para atrair e manter os alunos requer um nível elevado de satisfação destes e por isso muitas instituições sentem a necessidade, para além de fazerem avultados investimentos na melhoria da sua oferta formativa e processo de ensino, de criarem mecanismos para a concessão de apoios financeiros (ação social direta) aos estudantes mais carenciados economicamente.

As dificuldades financeiras de muitas IES devem-se por isso ao facto de o nível de financiamento público não acompanhar a expansão dos custos associados a mudanças qualitativas no sistema. Esta trajetória divergente entre necessidades e recursos públicos estimulou uma grande pressão para que o sistema de ensino superior diversificasse as suas fontes de financiamento. Esta diversificação tem ocorrido sobretudo através do contributo dos estudantes e das famílias, o qual é normalmente justificado pelo contexto de necessidade e pelos benefícios individuais associados à formação de nível superior. No entanto, o peso das famílias no financiamento dos estudantes é já hoje um dos mais elevados a nível europeu, o que limita significativamente a capacidade de alargamento desta fonte de financiamento alternativa.

O ensino superior português atravessa um período complexo também no que diz respeito aos recursos financeiros disponíveis. O quadro que vigorou ao longo das últimas décadas carece de uma reformulação e duma nova contratualização entre o Estado, as IES e a Sociedade. Se persiste um reconhecimento acerca dos grandes e diversificados benefícios decorrentes do ensino superior, torna-se necessário discutir como suportar os custos crescentes dum sistema maior, mais diferenciado e mais qualificado.

Um elemento decisivo para a maior democratização e diversificação da frequência do ensino superior foi a construção de um sistema de ação social mais robusto e abrangente que, através da prestação de serviços (ação social indireta) e a concessão de apoios financeiros (ação social direta), atenuou as disparidades provocadas pelas diferenças sociais de origem.

A existência de um sistema de ação social foi um elemento central para o alargamento da base social de participação no ensino superior e continua ainda hoje a ser pilar necessário para apoiar a concretização das metas de qualificação definidas por Portugal, que tem como objetivos principais alcançar em 2030 um nível de 60% dos jovens com 20 anos que frequentem o ensino superior e um nível de 50% de diplomados de ensino superior na faixa etária dos 30-34 anos (Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2018, que aprova as linhas orientadoras para uma estratégia de inovação tecnológica e empresarial para Portugal, 2018-2030).

O contributo do sistema de ação social para a obtenção destes objetivos deriva do facto de reduzir os constrangimentos financeiros que obstaculizam o acesso ao ensino superior a uma parte relevante de potenciais estudantes mas também do facto de, após o ingresso, contribuir para menor abandono escolar. Um estudo da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC, 2013) confirma que os estudantes a quem é atribuída bolsa de estudo têm mais probabilidades de permanecer inscritos que os estudantes a quem é recusada a atribuição.

O diploma que estabelece as bases de ação social (Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril) identificava como objetivos: “proporcionar aos estudantes melhores condições de estudo, mediante a prestação de serviços e a concessão de apoios”, o que se obteria através de atribuição de bolsas de estudo; da concessão de empréstimos, do acesso à alimentação em cantinas e bares; de garantia de alojamento; do funcionamento de serviços de informação, de reprografia, de apoio bibliográfico e de material escolar; do acesso a serviços de saúde e do apoio às atividades desportivas e culturais.

Foi a prestação desses serviços e apoios, com crescente eficácia e qualidade, que transformaram a ação social num pilar essencial para o processo de mobilidade social, assegurando aos estudantes oriundos de contextos económicos mais desfavorecidos as condições mínimas para chegar com sucesso ao fim da sua formação.

No entanto, o sistema de ação social encontra-se atualmente concebido para prestar apoio a estudantes tradicionais, de ensino presencial e com o perfil etário de referência entre os 18-23 anos, que não se encontram ainda em fase de vida ativa. A forma como os rendimentos são considerados torna virtualmente impossível o acesso a bolsa de estudo por parte de trabalhadores estudantes dado que os rendimentos que auferem, ao serem totalmente contabilizados para efeitos de determinação da capitação, excluem todos os que tenham salários superiores à remuneração mínima mensal. Para além disso, no âmbito da ação social indireta, o sistema proporciona poucos apoios para a conciliação da vida familiar e estudos, sendo pontuais a disponibilização de creches ou jardins-de-infância e não estando previsto qualquer apoio financeiro, a título de complemento de bolsa, com essa finalidade. Assim, a questão que se coloca é: de que modo pode o sistema de ação social ser melhorado para contribuir ativamente para a formação de adultos e para valorizar a aprendizagem ao longo da vida? E é aqui que “entra” a Universidade Aberta.

A UAb promove um serviço público que se adequa ao estilo de vida de uma população adulta com responsabilidades familiares que pode estudar online, através de uma plataforma virtual, sem necessitar de se deslocar de sua casa ou do local de trabalho.

Apesar deste papel ímpar, que a distingue das suas congéneres, a dotação do Orçamento de Estado é insuficiente para fazer face às despesas financeiras de modo a garantir o regular funcionamento e a sustentabilidade financeira da instituição.

Acresce que o orçamento da UAb não é baseado numa fórmula de cálculo que preveja despesas com o modelo de ensino a distância e online, de base tecnológica e que é por natureza de excelência e de qualidade, designadamente despesas com a contratação de tutores para prestação de serviços de acompanhamento online de estudantes; serviços de coordenação; de projetos de oferta formativa e de qualificação organizacional da UAb; Serviços de coordenação, organização e vigilância de exames contratados/protocolados com outras entidades atuantes em território nacional e no estrangeiro (na maior parte, instituições de ensino superior público, autarquias e embaixadas/consulados, dado a UAb realizar exames em 34 países).

No que respeita à Acão Social propriamente dita a Universidade Aberta, sendo universidade pública do sistema de Ensino Superior, nunca beneficiou de apoio do estado, tal como estabelece o Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril (Lei de Bases do Sistema de Ação Social no Ensino Superior) ou como estabelece o artigo 20.º da lei n.º 62/2007, de 10 de setembro – RJIES:

O Estado assegura a existência de um sistema de ação social escolar que favoreça o acesso ao ensino superior e a prática de uma frequência bem sucedida, com discriminação positiva dos estudantes economicamente carenciados com adequado aproveitamento escolar”. Garantindo ainda, de acordo com o n.º 2 da legislação citada, que nenhum estudante seja excluído do sistema do ensino superior por incapacidade financeira.

A UAb tem sido discriminada pela tutela relativamente ao financiamento para apoio social dos estudantes.

A partir do ano letivo de 2010/11 a crise geral em Portugal votou ao abandono escolar muitos estudantes do ensino superior. Em sequência a UAb amplificou uma medida urgente económica para apoiar os seus estudantes, atribuindo subsídios aos que demonstrassem critérios de precariedade económica, com base no rendimento global anual ilíquido do agregado familiar e de aproveitamento escolar, de acordo com o estipulado no regulamento da UAb 501/2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 176, de 11 de Setembro de 2008.

A atribuição do subsídio consistiu na isenção ou redução de pagamento da propina, no montante de 25%, 50% ou 100 %. O subsídio foi concedido por um ano letivo, não se renovando automaticamente.

No ano letivo de 2017/18 a UAb concedeu cerca de 190 mil euros de subsídios a 294 estudantes, tendo tido um universo de 381 candidaturas, ou seja, atribuiu um montante de quase 2% da sua dotação orçamental oriunda do orçamento de estado.

A Universidade Aberta confrontada com a incapacidade de continuar a sustentar economicamente esta medida obrigou-se a reduzir o montante do subsídio a atribuir a cada estudante. Para o ano letivo de 2018/2019 produziu alterações ao Regulamento de Atribuição de Subsídios (despacho 94/R/2017, de 2 de outubro, publicado nos Diários da República, 2.ª Série, n.º 197, 12 de outubro, extrato 549/2017 e n.º 65, 3 de abril extrato n.º 199/2018), tendo em conta o nível da remuneração mínima garantida (RMG) e do indexante de apoios Sociais (IAS) e fixou um montante máximo de 50% de apoio ao pagamento da propina.

Para 2018/19, até ao momento atual e tendo em conta uma população de 4.900 estudantes a frequentarem a oferta formativa de 1.º ciclos (licenciaturas), a UAb já concedeu 100 subsídios para um total de 156 candidaturas, despendendo algumas dezenas de milhares de euros que poderão ainda vir a aumentar substancialmente até aos inícios do 2.º semestre, data previsível do encerramento dos pedidos.

Prevendo que este apoio não cubra as necessidades efetivas dos estudantes, a UAb apela para que a tutela apoie os seus estudantes, como o faz com as restantes Instituições de Ensino Superior, para que democraticamente usufruam dos mesmos direitos e regalias a que têm direito.

A questão que se coloca e importa debater é: num cenário de recursos limitados, deve ser promovido um alargamento do número de beneficiários (por exemplo, através de alterações ao limiar de eligibilidade ou por via de alargamento de apoios a estudantes que hoje não tem acesso aos mesmos, como os estudantes da Universidade Aberta) ou aumentada a intensidade do apoio ao mesmo universo que já hoje beneficia do mesmo?

A omissão dos sucessivos governos ao não regulamentarem, num caso, o Ensino a Distância tal como estava consignado na Lei de Bases do Sistema Educativo (nos artigos 19.º, 24.º e 62.º), ou no outro caso, como consequência do primeiro, a UAb como universidade pública de Ensino a Distância (RJIES, artigo 1.º, ponto 3 e artigo 179.º), este descaso, criou uma profunda injustiça social aos estudantes da Universidade Aberta aos não contemplar como beneficiários da ação social. Esta situação em nada contribui para aprofundar a democratização da frequência de ensino superior e promover a igualdade de oportunidades independentemente da condição socioeconómica de base. Assim, não pode a Universidade Aberta deixar de expressar o seu desagrado e lamentar que as políticas impostas pelo governo não sejam cumpridas pela tutela e que se pactue com a discriminação e injustiça sociais.

A Universidade apela à divulgação desta realidade pedindo que se faça justiça, para que os seus estudantes sejam tratados nos mesmos moldes, como o são pelas restantes congéneres.

 

Domingos Caeiro

Vice-reitor para a Gestão Académica e Interação com a Sociedade

Fevereiro 2019 #122