OS NOSSOS AVÓS – Memórias, Culturas e Migrações

A assinalar o Dia Internacional dos Avós, o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), da Universidade Aberta, através do Grupo de Investigação Saúde, Cultura e Desenvolvimento, organizou no dia 26 de julho, na sede da Universidade Aberta em Lisboa, Palácio Ceia, a Jornada Científica Internacional dedicada ao tema OS NOSSOS AVÓS – Memórias, Culturas e Migrações.

Este evento, que decorreu das 9:00 às 20:00 h, foi aberto ao público e transmitido por videoconferência, tendo contado com conferencistas e participantes nacionais e estrangeiros, professores, investigadores, estudantes e técnicos, não só do CEMRI e da Universidade Aberta, mas também de outras universidades e centros de investigação, bem como de instituições sociais, culturais, educativas e de saúde.

Tratou-se de uma jornada científica e cultural comemorativa do dia dos avós, em que especialistas oriundos de diversas áreas científicas destacaram a importância dos avós nos diferentes espaços culturais e temporalidades, em contextos autóctones e migratórios e nas suas especificidades e universais. Através de diferentes abordagens e perspetivas, o evento dedicou-se à discussão e divulgação de saberes, representações, narrativas, subjetividades, vivências e recursos relacionados com avós e netos e com relações e solidariedades intergeracionais, evidenciando-se os avós como elos sólidos de apoio e solidariedade entre gerações, funcionando como âncoras da memória, cultura, tradição, educação, suporte e afeto, favorecendo a transmissão de saberes, tradições e valores familiares, educativos e culturais e os laços entre o passado e o presente, a tradição e a modernidade e as várias gerações familiares, hoje mais abertas, diversificadas e alargadas no tempo.

O programa organizado em torno de quatro sessões temáticas, contou com abordagens e contextos diversificados e complementares.

A primeira sessão, sobre Experiências, Memórias e Imagens de Avós e Netos, teve a colaboração de vários especialistas. Aida Batista, ex leitora do Instituto Camões, trouxe-nos a análise e discussão de um filme autobiográfico, A Toca do Lobo, no qual a realizadora Catarina Mourão, através de várias fontes, reconstrói a memória e o retrato do avô que não conheceu, o escritor português Tomás Figueiredo.

Já Sandra Straccialano Coelho, professora e investigadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Programa de Pós- Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas e investigadora colaboradora do CEMRI/UAb, apresentou a análise do documentário Allende, Mi Abuelo Allende, um registo na primeira pessoa no qual a realizadora Marcia Tambutti Allende, neta do líder político chileno Salvador Allende, tenta recuperar a imagem familiar e afetiva do avô, sobretudo através de entrevistas que realiza com diferentes membros da sua família.

Por seu lado, Helena Isabel Borges Manuel, investigadora do CEMRI/UAb, e especialista em cultura e família timorenses, na sua comunicação dedicada aos “Abós” de Timor-Leste: Imagens de Um Povo, retratou, através de numerosas imagens fotográficas por si recolhidas em Timor-Leste, diversos momentos da vida de abós timorenses, no quotidiano e em situações mais específicas, como festividades, rituais e práticas de cuidados e saúde tradicionais.

O tema Avós, Netos e Intergeracionalidade no Cinema, foi abordado por Natália Ramos, professora da Universidade Aberta e investigadora do CEMRI/UAb, assinalando a importância dos media e da imagem, particularmente da documentação fílmica, documental ou ficcional, como meio de expressão, divulgação e análise de memórias, narrativas, representações, culturas e subjetividades de avós e netos, bem como a importância do cinema como instrumento comunicacional, intercultural e pedagógico para educar para a diversidade e alteridade, para as relações e solidariedades entre as gerações, nomeadamente para a solidariedade entre avós e netos.

A sessão terminou com o testemunho autobiográfico e as vivências, enquanto filho, neto e avô, de Hermano Duarte de Almeida e Carmo, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e investigador no CEMRI/UAb, através da comunicação A Experiência de Ser Avô: Um Testemunho na Primeira Pessoa.

A segunda sessão foi dedicada à análise e discussão da temática dos Avós, Culturas e Tradições. A primeira comunicação, intitulada Ser Avó e Avô na Cultura Indígena Nambikwara, de José Francisco Serafim, professor e investigador na Universidade Federal da Bahia/UFBA, Programa de Pós graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas & CEMRI/UAb, apresentou, através de vários documentos fílmicos, especificidades da cultura indígena, centrando-se no papel e importância das mulheres e homens mais velhos nos cuidados e educação dos mais jovens, numa comunidade indígena em Mato Grosso, Brasil.

Já Ivete Monteiro, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, E.P.E., e investigadora do CEMRI no âmbito da Família e Cultura Hindu, destacou em Os Avós na Cultura Hindu, o papel importante dos avós nesta cultura milenar, seja em meio autóctone, seja em contexto migratório, enquanto principais responsáveis pela perpetuação dos valores, comportamentos, rituais e elementos identitários desta cultura, transmitindo aos seus filhos e netos a importância da religião, da família, de valores sociais como a solidariedade e o respeito, assumindo frequentemente o papel de cuidadores dos netos e considerando-se como elementos de referência em todos os momentos da sua vida.

A encerrar esta sessão, a comunicação O Papel dos Avós nas Culturas Ciganas Kalon, de Aluízio de Azevedo, do Ministério da Saúde do Brasil e investigador do CEMRI/UAb, que recorreu a acervo fotográfico da sua família e da comunidade cigana para evidenciar como os idosos e os avós, são integrados nas culturas kalon e ocupam papéis centrais enquanto guardiões e transmissores das tradições e costumes, da memória oral, das narrativas, mitologias, cosmologias, e enquanto cuidadores dos netos, educadores das crianças e jovens e curadores e detentores de conhecimentos da medicina tradicional e de rezas, bençãos e simpatias. Nesta cultura, falar de avós é falar de laços familiares intergeracionais, mas, sobretudo, de laços sociais, culturais e comunitários.

A terceira sessão da jornada foi dedicada ao tema Avós e Migrações. A primeira comunicação, O Lugar Das Avós Nos Processos De Deslocamentos Migratórios, apresentada por Roseli Boschilia, professora e investigadora do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, UFPR e no CEMRI/UAb, baseou-se em testemunhos de emigrantes portugueses que se deslocaram para países da América, da Europa e de África, partindo da reflexão sobre o papel exercido pelas avós no acolhimento de familiares nos países de destino, bem como no cuidado dos netos no país de origem.

Já Maria da Conceição Pereira Ramos, professora e investigadora da Universidade do Porto, FEP e do CEMRI/UAb, debruçou-se sobre análise e discussão da problemática Avós, Migrações e Solidariedades, destacando as múltiplas formas de apoio e solidariedade intergeracional familiar, social e comunitária dos avós e das gerações mais velhas em relação aos mais jovens, em contexto migratório, sobretudo português.

Por fim, em Percursos de Idosos Avós na Diáspora Portuguesa, Luisa Desmet, professora e investigadora na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e no CEMRI/UAb, apresentou algumas narrativas e vivências de mulheres e homens portugueses idosos e avós sobre a sua experiência migratória e familiar em países de diferentes continentes, histórias na primeira pessoa nas quais a memória, a solidariedade e o isolamento se cruzam.

A quarta e última sessão centrou-se na temática Avós, Transmissão de Saberes e Educação. Em Avós, o Escape da Cápsula de Um Tempo, Perdido Paulo Mendes Pinto, professor e investigador na Universidade Lusófona e especialista na área das Ciência das Religiões, partiu das diversas tradições mitológicas e religiosas que marcam a figura do ancião e da anciã enquanto repositórios de sabedoria como formas de transmissão de uma cultura e uma identidade, de exemplos bíblicos ou helenistas que nos apresentam, até, estas figuras com características proféticas ou divinatórias, agentes fora do tempo, que ligam o imediato ao atemporal, para salientar a importância da intergeracionalidade como um dos poucos instrumentos de fuga ao imediato e de aconchego ao que necessita de tempo para ser fruído, representando os avós, no mundo atual, a ligação necessária para fugir ao tempo que corre, fazendo-nos regressar a valores, perenidades e sentimentos.

Já Renata Borja Ferreira de Mello, psicoterapeuta e professora na Universidade UNA de Belo Horizonte, em O Que Aprendi Com os Meus Avós e Pais Contribuiu Para o Meu Sucesso?, analisou a partir de investigação, prática clínica e experiência familiar, o papel da família, dos avós e das diferentes gerações quanto aos valores partilhados para o sucesso, o ser bem-sucedido, constituindo um desejo amplamente partilhado pela sociedade atual e, principalmente, pelas gerações mais jovens, nas quais predomina uma tendência a valorizar as competências tecnológicas e a desvalorizar os saberes e ensinamentos dos mais velhos, insistindo na importância dos valores e saberes transmitidos por estes e do quanto as novas gerações poderiam beneficiar da sua experiência e saberes, particularmente dos avós, para o seu desenvolvimento, bem-estar e sucesso.

Por último, em Memórias e Legados dos Avós aos Netos – Transmissão Intergeracional de Saberes e Afetos, João Paulo Vieira do Hospital de Santarém E.P.E. e investigador do CEMRI/UAb, partindo da sua investigação sobre os avós na família e sociedade contemporâneas em Portugal, destacou saberes, solidariedades e legados que os avós deixam aos filhos e netos e os papéis que assumem, nomeadamente avós que cuidam, ensinam, protegem, equilibram, mimam, ajudam, educam.

A encerrar a jornada de homenagem aos avós, foi apresentada a Agenda Científica de Gerontologia – APRENDER, ENVELHECER, SER/2019, por Sandra Barradas da Universidade de Coimbra, responsável pela Alma Letra Edições, investigadora colaboradora no CEMRI/UAb e coordenadora da Agenda.

Esta Agenda e a Jornada levada a cabo constituem exemplos de iniciativas e recursos pedagógicos e científicos que poderão contribuir para promover processos de sensibilização e otimização que favoreçam o envelhecimento ativo, digno e saudável; a valorização das gerações mais velhas, numa época em que as sociedades estão a envelhecer de forma significativa ao nível mundial e nacional; o desenvolvimento das relações e solidariedades intergeracionais, particularmente a solidariedade entre avós e netos, bem como a construção de uma sociedade promotora do bem-estar e integração de todas as idades, onde as várias gerações e instâncias sociais e científicas contribuam para uma cultura inclusiva, solidária e de cidadania e onde as populações mais velhas não sejam discriminadas e excluídas.

Através da realização desta Jornada Científica Internacional, o CEMRI e a Universidade Aberta associaram-se a esta efeméride de homenagem aos avós. Aliás, outros organismos portugueses se associaram, como o Programa Ciência Viva, que convidou avós e netos a visitarem o Pavilhão do Conhecimento – Centro Ciência Viva  e a participarem nas atividades organizadas para celebrar esta data.

É, assim, importante a realização destas e de outras iniciativas abertas que promovam a intergeracionalidade, que deem a vez e a voz aos mais velhos, a avós e netos, quer vivam nos seus países e culturas de origem, quer se encontrem em contextos migratórios, através de abordagens multi/interdisciplinares e de recursos variados e inovadores.

 

Natália Ramos
Coordenadora Científica do CEMRI/Universidade Aberta

 

 

 

  Agosto de 2019 #128